Apesar de ser a perna mais curta do triathlon, a natação pode ser a mais intimidadora das três modalidades para aqueles que não aprenderam o esporte na infância. No Ironman, além do desafio de completar os 3.800 metros de natação em águas nem sempre calmas, os atletas devem também se preocupar em não sair fadigados da água, pois terão à frente um longo dia de competição. Daí a importância de aprender a poupar energia.
Uma natação mais econômica pode ser traduzida como a capacidade de o atleta otimizar energia para conseguir percorrer a distância determinada — ou seja, gastar a menor quantidade de calorias possível para tal. Essa otimização está relacionada a dois aspectos inerentes ao nado: a eficiência (quanto o nadador se desloca por ciclo de braçadas) e a velocidade (quanto menos tempo ele gastar para percorrer a distância, menor será seu gasto energético).
Para atletas que competem em piscina, a eficiência é medida por quão longe são capazes de nadar mantendo o mesmo ciclo de braçadas, enquanto a velocidade corresponde ao número de ciclos que conseguem executar em determinado período de tempo. Como nesse caso a modalidade é praticada em ambiente controlado, o único fator capaz de alterar a eficiência do nado é a fadiga do atleta. Já os nadadores de águas abertas e os triatletas têm de lidar com uma série de fatores externos que tendem a dificultar a aplicação de uma técnica apurada e, consequentemente, reduzir a eficiência das braçadas, como a presença de atletas em volta, as ondas e as correntes marítimas. Porém, há alguns pontos que podem ser trabalhados individualmente nos treinos de piscina, para depois serem aplicados em águas abertas.
FREQUÊNCIA DE BRAÇADAS
Assim como é difícil definir a cadência ideal para os ciclistas — que depende prioritariamente da técnica aplicada pelos atletas —, também é bastante complicado determinar o ritmo exato das braçadas para os nadadores, especialmente os de águas abertas. Nadadores mais baixos e com bom condicionamento aeróbico tendem a utilizar braçadas rápidas, enquanto os mais altos e com boa sensibilidade costumam preferir braçadas longas.
No triathlon, para piorar, essa frequência não é a mesma durante toda a prova. No início da natação, quando os atletas ultrapassam a arrebentação e começam a nadar cercados por um verdadeiro cardume humano, as braçadas devem ser curtas e rápidas, aumentando a flutuação e evitando que as ondas e correntes os empurrem no sentido contrário. Já em águas mais calmas, a frequência de braçadas pode ser reduzida, diminuindo o consumo de energia e permitindo ao atleta manter uma postura mais confortável, hidrodinâmica e eficiente.
Próximo à saída da água, quando as ondas empurram o nadador no sentido da praia, as braçadas devem ser aceleradas novamente: sempre que o atleta conseguir pegar uma onda, deve posicionar a cabeça baixa e os pés altos, mantendo boa rotação dos braços e aplicação de força, de maneira que consiga passar o maior tempo possível na ondulação. Isso pode significar a conquista de uma boa vantagem sobre aqueles que deixam as ondas passarem rapidamente. Para se dar bem em cada uma dessas etapas (encontrar a sua frequência ideal de braçadas em cada uma delas), o ideal é treinar todas.
Para encontrar a sua frequência ideal de braçadas, realize o seguinte teste: faça três tiros de 400 metros em velocidade de limiar (“firme”), com recuperação total entre eles. Mantenha a mesma percepção de esforço em todos os tiros, mas faça o primeiro na sua frequência natural de braçadas. Execute o segundo com uma frequência ligeiramente menor que a natural e o terceiro, com frequência mais alta. Essa frequência pode ser aferida por meio de um tempo trainer ou simplesmente contando o número de braçadas a cada 25 metros. Para ter a percepção do esforço, deve-se aferir o batimento ao final de cada tiro e certificar-se de que foi aproximadamente o mesmo. Então, compare os tempos: para a mesma percepção de esforço, a melhor frequência será aquela que produzir o menor tempo.
Caso o atleta tenha de reduzir o número de braçadas em relação à sua frequência natural, alguns educativos podem ajudar. Os mais comuns são estes: DPS (distance per stroke, ou distância por braçada), catch-up drill (pegada dupla), “cheating” catch-up drill e braçada unilateral, que você confere a seguir.
DPS (DISTÂNCIA POR BRAÇADA)
O objetivo aqui é utilizar o menor número possível de braçadas para percorrer a piscina sem aumentar a pernada. O foco deve estar no torque aplicado na puxada e na manutenção da posição do corpo em streamline (alongado e alinhado em um eixo no sentido do deslocamento) e com boa flutuação. Podem ser feitas séries com objetivos predeterminados, como por exemplo 4 x 50 metros, reduzindo um ciclo de braçadas por 25 metros a cada tiro.
CATCH-UP DRILL (PEGADA DUPLA)
Muito corriqueiro em aulas de natação para iniciantes, é feito com um braço esperando o outro na posição de streamline. A fase submersa da braçada começa apenas quando a mão que faz a recuperação toca a outra, à frente do corpo. É preciso estar atento à puxada correta, com aplicação de giro do ombro, cotovelo mais alto que a mão durante a puxada e aplicação de torque no maior trecho possível da fase submersa. A execução desse educativo reduz muito a velocidade e tende a estimular o atleta a replicar esse movimento no nado por aumentar a flutuação; por isso, vem sendo substituído pelo “cheating” catch-up drill.
“CHEATING” CATCH-UP DRILL
É semelhante ao educativo de pegada dupla, porém a mão que efetua a puxada começa o movimento pouco antes de outra mão entrar na água para fazer a recuperação. Tem efeito semelhante na redução da frequência de braçadas e foco na eficiência da puxada, com a vantagem de não condicionar o atleta a ter sempre um “braço de apoio”.
BRAÇADA UNILATERAL
Mantendo uma mão sempre à frente do corpo, o atleta executa as braçadas unilateralmente em séries de até uma piscina, em comprimento. É importante ficar atento para a manutenção dos pontos principais do nado: rotação do tronco, alcance da braçada (fazer a mão da puxada ultrapassar a que está parada a cada braçada), posição do cotovelo e da mão e torque na puxada. Permite que o atleta observe todos os pontos da braçada, além de evitar que ele se acostume a parar a mão na posição de apoio.
Por outro lado, se for necessário aumentar a frequência das braçadas — para adaptação aos momentos de entrada e saída na água —, uma boa pedida é fazer tiros de velocidade com frequência alta, sem descuidar da aplicação correta da técnica. Para estimular o foco na braçada e facilitar a fase da puxada, acelerando a frequência, podem ser realizados alguns tiros com nadadeiras, tomando-se cuidado para não tentar “ganhar tempo” com o aumento da frequência de pernadas.
RECUPERAÇÃO DAS BRAÇADAS
A recuperação das braçadas entre nadadores de piscina varia bastante. A americana Janet Evans ficou conhecida na década de 1980 por superar recordes mundiais em provas de fundo fazendo a recuperação com os braços esticados, técnica mais comum entre velocistas. Por sua vez, o australiano Ian Thorpe, no começo da década de 2000, praticamente raspava a ponta dos dedos na água, economizando energia ao diminuir o esforço dos ombros.
Na natação em águas abertas, no entanto, a braçada com os cotovelos mais esticados tende a ser mais eficiente. Além de evitar eventuais “encontrões” com as marolas e outros atletas, é mais natural (e menos desgastante) quando se utilizam roupas de neoprene, normalmente pouco flexíveis nos cotovelos. Para praticá-la, faça algumas passagens de 50 a 100 metros com os braços esticados durante seu aquecimento, prestando atenção na rotação do tronco e principalmente na amplitude de movimento dos ombros.
Mesmo que o braço esteja quase estendido na fase da recuperação, é importante que ele não “caia” na água ao final da braçada, e sim entre suavemente pela ponta dos dedos. Brigar com a água é uma das piores e mais ineficientes formas de desperdiçar energia na natação.
PADRÃO DE RESPIRAÇÃO
Embora o padrão de respiração (2x1, 3x1 etc.) seja amplamente aceito como uma questão de preferência pessoal, os dois grandes diferenciais na natação em águas abertas são a necessidade de orientação e saber respirar para os dois lados. Isso se deve ao posicionamento das boias em sentido horário ou anti-horário, à presença de marolas ou de outros nadadores, ou mesmo em função da distância a ser percorrida. Nadar os 3.800 metros respirando sempre para o mesmo lado tende a provocar bastante dor muscular na região do pescoço.
Para trabalhar a respiração bilateral é importante acrescentar ao treino séries com essa variação, de forma que o atleta se sinta capaz de respirar para qualquer lado — mesmo que tenha mais eficiência respirando de um deles. No caso da orientação, é preciso primeiro trabalhar a técnica correta e depois incorporá-la às séries de limiar ou velocidade algumas vezes por semana. A respiração durante a orientação, ao contrário do que muitos pensam, deve ser feita lateralmente. Respirar olhando para a frente, com a cabeça alta, em muitos casos fará com que o atleta beba água. Além disso, para respirar olhando para a frente, ele é obrigado a levantar excessivamente a cabeça, e assim afundando muito as pernas e reduzindo drasticamente sua eficiência na água.
O ideal é que o atleta eleve a cabeça apenas até o nível do nariz, olhando para a frente e orientando-se enquanto efetua a fase da puxada, com a outra mão à frente do corpo. Depois, deve virar a cabeça para o lado (sem afundá-la), efetuando a respiração e a recuperação da braçada normalmente. Execute esse movimento calmamente a cada três ou quatro ciclos de braçadas, mirando em um ponto fixo na borda da piscina, durante o aquecimento. Assim que tiver dominado a técnica, procure incorporá-la em alguns tiros longos, uma ou duas vezes a cada piscina.
Nos tiros de velocidade — que buscam trabalhar as fases de largada e contornos de boias em um triathlon —, a cabeça deve ser mais elevada, embora a técnica de respiração seja a mesma. Afinal, haverá atletas em volta ou ondas que dificultarão a visualização da boia. Para compensar essa elevação do tronco, deve-se aumentar a frequência de pernadas durante a visualização. Tiros de velocidade com cabeça alta são indicados para isso.
PERNADAS
Na natação em águas abertas, a principal função das pernadas é manter a flutuação do corpo, melhorando a posição do atleta, minimizando o arrasto hidrodinâmico e aumentando a eficiência do nado. Além disso, elas facilitam a rotação do tronco e economizam energia, sem desgastar músculos que serão exigidos no ciclismo e na corrida. No tocante à técnica, há três itens fundamentais a ser trabalhados aqui: o eixo da alavanca, a posição dos pés e o ritmo. O eixo é representado pela articulação de onde parte a alavanca: os chutes devem ser executados com a perna semiestendida a partir do quadril, uma vez que a flexão exagerada do joelho promove o afundamento da coxa, aumentando o arrasto.
Por sua vez, os pés devem ficar esticados, de preferência levemente girados para dentro — como se os dedões fossem se tocar, mas com os calcanhares afastados normalmente. Esses aspectos podem ser trabalhados em séries de pernada lateral e/ou com nadadeiras curtas e flexíveis, que permitem um movimento natural, sem sobrecarga articular.
Já com relação ao ritmo, a perna de dois tempos (duas pernadas para cada ciclo de braçadas) é a mais eficiente em termos de economia de energia. Por isso, é a mais utilizada por triatletas com boa natação ou por aqueles que usam roupa de borracha — o que aumenta a flutuação, facilitando o equilíbrio na água e minimizando a importância das pernadas para esse fim.
Para melhorar o equilíbrio na água, diminuindo a exigência sobre as pernas, um bom exercício é utilizar uma faixa elástica justa para prender as duas pernas do nadador, que pode realizar séries de nado com ou sem pull-boy. Nesse caso, não bater pernas no treino é o melhor educativo para precisar menos delas na hora da prova.
(Matéria publicada na revista VO2 Bike, edição 92, maio de 2013)
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